4. Reflexões sobre o social e o emocional no aprender
Aprender não é só um processo cognitivo — é também emocional e relacional. O que sentimos e como nos conectamos com outras pessoas molda diretamente a forma como retemos, aplicamos e transformamos conhecimento. Se emoções podem catalisar ou bloquear o aprendizado, então criar espaços seguros e interações de confiança pode ser tão importante quanto o conteúdo em si.
Aprender também passa pelo coração
Ainda insistimos em tratar o aprendizado como um ato puramente cognitivo — alguém ensina, outro absorve, e pronto. Mas basta observar a nossa própria experiência para perceber o quanto essa visão é reducionista. Quem nunca se percebeu resistindo ao conhecimento por causa da ansiedade? Ou aprendeu mais em uma conversa significativa do que em horas de leitura?
Por isso se fala tanto em habilidades socioemocionais como base para lidar com a vida e aqui, hoje, vamos trazer esse conceito para dentro do universo da aprendizagem. Ou seja para o processo de aprender através de afetos e interações com o meio.
Em inglês é Social-Emotional Learning — SEL, uma teoria que reconhece que nossas emoções, relações interpessoais e contextos sociais são parte inseparável do processo de aprender. Estudos em neurociência e psicologia educacional evidenciam que não existe cognição sem emoção, como traz Antonio Damasio, neurologista português, escritor e pesquisador sobre o assunto. As emoções atuam como verdadeiros catalisadores ou bloqueadores do aprendizado, influenciando a forma como o cérebro processa e retém informação.
Emoções como catalisadoras ou bloqueadoras do aprendizado
Pesquisas apontam que emoções positivas, como curiosidade e entusiasmo, ativam sistemas no cérebro favorecendo a consolidação da memória e o engajamento cognitivo. Em contrapartida, estados emocionais negativos intensos como medo, vergonha, ansiedade, podem inibir o funcionamento do hipocampo e aumentar a atividade da amígdala, dificultando a retenção e o processamento de novas informações.
Ou seja: o mesmo conteúdo pode ser absorvido e interpretado de formas completamente diferentes dependendo do estado emocional do aprendiz no momento da exposição. Por isso estar em um ambiente emocionalmente seguro, além de ser melhor para trabalhar, também favorece o aprendizado.
Para os que trabalham com desenvolvimento humano pensar nesse set se perguntando quais emoções estou gerando através das dinâmicas, intervenções e da própria organização do espaço pode ser de grande valor para garantir o objetivo de aprendizagem do encontro.
O papel dos espaços e das interações sociais na aprendizagem
Nossos cérebros são moldados pelas interações sociais — aprendemos observando, imitando e dialogando com os outros. Vygotsky, lá em 1930, já destacava a importância do contexto social para o desenvolvimento cognitivo, ao sugerir que é na interação com o outro que internalizamos novas formas de pensar. Ele também desenvolveu o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal”, que são espaços nossos de desenvolvimento ainda não amadurecidos, mas que ainda seguem em processo de maturação onde outra pessoa mais capaz pode nos auxiliar.
Mas não se trata apenas de ter pessoas ao redor. Pesquisas atuais em aprendizagem socioemocional mostram que a qualidade dessas interações é determinante. Confiança, pertencimento e reconhecimento são fatores que influenciam diretamente a motivação e a persistência. Mais do que “segurança psicológica”, é importante falarmos de ecossistemas relacionais de aprendizagem — redes de apoio que ampliam a coragem de explorar, experimentar e errar.
E como interagir com ambientes tão diversos e nos abrir para aprender?
O que valorizamos em termos de emoção e interação no processo de aprender não é universal. Em culturas mais coletivistas, como as asiáticas, a ênfase costuma estar no grupo: harmonia social, respeito à hierarquia, cooperação. Já em culturas mais individualistas, como a ocidental, aprendemos a valorizar autonomia, autoexpressão e competição. Isso significa que programas de aprendizagem socioemocional precisam considerar não apenas o indivíduo, mas também as influências culturais, familiares e as experiências vividas por cada indivíduo.
Lembro, ao “oferecer” uma aula de línguas em uma escola rural na Ásia, como era difícil fazer as meninas falarem e se expor. A autoexpressão não era o lugar confortável e gerava nervosismo, o que as impedia de fazer perguntas e experimentar o conteúdo que estávamos trabalhando.
A abertura, como falamos, também está diretamente ligada ao ambiente e ao que é incentivado e recompensado nele. Onde errar significa ser punido, a tendência natural é esconder falhas, evitar riscos e reduzir a experimentação. Esse clima gera paralisia e aprendizagem superficial, já que o medo bloqueia tanto a criatividade quanto a retenção de informações. Amy Edmondson comenta que organizações inovadoras não são as que acertam sempre, mas as que transformam erros em pontos de reflexão coletiva. Ela propõe uma matriz onde a zona de aprendizagem acontece com alta segurança psicológica e alto desempenho.
A cultura do fracasso como tabu não só limita a aprendizagem socioemocional, ela também mina a capacidade de uma empresa evoluir e inovar.
Para fechar, como o meio digital pode estar afetando a aprendizagem?
Ambientes virtuais podem reduzir a percepção de sinais não verbais — expressões faciais, entonações, gestos — que são cruciais para a aprendizagem socioemocional e podem gerar uma sobrecarga, FOMO (sigla em inglês para fear of missing out, em português, medo de ficar de fora) e sentimentos que como já vimos podem bloquear o processo. Ao mesmo tempo, o digital abre novas possibilidades: comunidades globais de aprendizagem, respeito aos diferentes ritmos e acessibilidade, para citar algumas. O desafio é, talvez, pensar no virtual também como um espaço, onde precisamos refletir sobre como incentivar a criação de vínculos, empatia e confiança. Talvez o futuro do SEL passe justamente por aprender a humanizar nossas interações digitais para que a emoção continue sendo parte do processo.

