Por que interrompemos?
- Verônica Borges
- 19 de fev.
- 5 min de leitura
Estou em uma sala de reunião. Alguém traz um tópico à mesa. No começo, apenas escuto, mas logo percebo uma inquietação crescendo dentro de mim. Quero falar. Minha boca se abre, pequenos sons escapam. Tento me segurar, mas, antes que perceba, já cortei a pessoa e dei minha opinião. Não consegui me segurar.
Já vi , ouvi e vivi esse comportamento inúmeras vezes: em reuniões, conversas individuais, devolutivas de feedbacks e até em mesas de bar. Mas por que sentimos essa necessidade quase incontrolável de falar enquanto o outro ainda está compartilhando sua ideia? Não existe apenas um motivo para que isso aconteça, mas vamos explorar um pouco o que a neurociência e a psicologia nos dizem sobre isso.
Neurologia?
Nosso cérebro tem mecanismos específicos para regular impulsos, permitindo que possamos interromper ações quando percebemos que não são apropriadas. Mas nem sempre funciona do jeito que gostaríamos.
Imagine seu cérebro como um carro com um acelerador potente e um freio que, às vezes, não responde tão rápido quanto deveria. O córtex pré-frontal, responsável pelo controle inibitório, funciona como esse freio, regulando impulsos e ajudando a tomar decisões sociais apropriadas. Quando esse mecanismo não atua com rapidez suficiente, interrompemos o outro antes mesmo de processarmos completamente a situação. São aqueles casos onde falamos de forma mais impulsiva e quando a pessoa nos escuta e termina o que estava dizendo, percebemos que interpretamos errado o que estava acontecendo no momento. Fomos para um lado oposto da conversa.
Outro fator importante é a sinalização de urgência cognitiva. Quando temos uma ideia brilhante ou sentimos que estamos prestes a esquecer algo importante, o cérebro pode interpretar isso como uma informação que precisa ser dita imediatamente. É como um alarme interno soando: "Se eu não falar agora, essa ideia pode se perder para sempre!" Esse fenômeno pode ser ainda mais intenso em pessoas com menor tolerância à incerteza ou maior ansiedade social. Precisamos lembrar que nossas emoções são respostas a uma interpretação da realidade. Por isso se acredito e repito que aquela pode ser a última chance de falar ou que a ideia pode ir embora, o cérebro vai reagir a essa realidade e não necessariamente a realidade que está acontecendo fora da nossa cabeça.
Além disso, temos também a “memória de trabalho” que desempenha um papel essencial nas nossas trocas diárias. Esse sistema cerebral permite segurar informações temporariamente, ajudando na fluidez do pensamento e no raciocínio lógico. Quando está sobrecarregada – seja pelo volume da conversa ou por distrações internas – sentimos que precisamos despejar as informações antes que elas se esgotem, o que nos leva a interromper.
Poder, pertencimento ou escuta?
Além da biologia, há outros fatores que moldam esse comportamento e influenciam a forma como nos comunicamos.
Dinâmicas de poder e status: Interromper pode ser, muitas vezes, uma forma inconsciente de estabelecer presença e influência em uma conversa. Saber dessa dinâmica é importante, principalmente para pessoas em posições de liderança ou com maior autoconfiança que tendem a interromper mais, seja para afirmar sua autoridade ou para se manter no controle da interação.
Entusiasmo e envolvimento emocional: Já se pegou interrompendo alguém porque simplesmente sentia uma empolgação grande com o assunto? Isso acontece porque um alto envolvimento emocional pode reduzir nossa capacidade de aguardar a vez de falar, tornando a espera quase insuportável.
Dificuldade em ouvir ativamente: Muitas vezes, achamos que estamos escutando, mas na verdade estamos apenas esperando a nossa vez de falar. Esse comportamento pode ser agravado por distrações, cansaço ou até mesmo por crenças internas de que nossas ideias são mais relevantes naquele momento. Para ouvir é necessário presença e as distrações ao nosso redor atrapalham estarmos com a nossa atenção 100% na troca.
Necessidade de pertencimento: Ser ouvido pode ser uma forma de validação social. A interrupção e urgência em falar pode ser a necessidade de se fazer presente na conversa para garantir que sua voz seja reconhecida. Ou para sair de uma situação de invisibilidade que em muito grupos pode acontecer, dado que não é possível ter todos falando ao mesmo tempo e papéis vão sendo assumidos nessa dinâmica.
Mas como reduzir esse impulso?
O bom é que existem estratégias que ajudam a desenvolver mais autocontrole e melhorar a qualidade das interações. Todas, podem ser praticadas, como um exercício físico. Diariamente, respeitando limites e com garantia de resultados.
Praticar a escuta ativa: Em vez de focar em formular sua resposta enquanto o outro fala, tente realmente absorver o que está sendo dito. Anota os principais pontos que estão sendo falados. Deixar o celular em outro quarto, fechar as abas, e evitar qualquer distração que involuntariamente sua mão e mente procure pode ser de grande ajuda!
Usar técnicas de mindfulness: Exercícios de atenção plena fortalecem o controle inibitório e ajudam a desacelerar reações impulsivas. Respire fundo e observe sua vontade de interromper antes de agir. Nomeie o que está em volta. Perceba sua mão tocando a mesa. Essas pequenas ações ajudam a sua mente a voltar para o momento.
Observar padrões pessoais: Faça um exercício de autoanálise. Em quais situações você mais interrompe? Existe um padrão emocional ou social? Essa consciência pode ajudar a criar novas estratégias para mudar o comportamento. Fazer um diário por alguns dias pode dar uma clareza importante para o processo.
Sinalizar interesse sem interromper: Pequenos gestos, como acenos de cabeça ou expressões faciais engajadas, demonstram que você está presente e interessado, sem precisar tomar a palavra imediatamente.
A verdade é que cada pessoa tem seu ritmo para processar informações e comunicar. Algumas precisam de silêncio para organizar pensamentos, outras pensam melhor enquanto falam. Algumas comunicam de forma muito objetiva enquanto outras são mais atentas aos detalhes. Culturas diferentes também encaram pausas na conversa de maneiras distintas. Não perceber nossos impulsos nos impede de ver detalhes importantes, atrapalha o movimento de conexão e nos deixa com menos curiosidade pelo outro e suas ideias. E a verdade é que o ato de interromper pode ser frustrante tanto para quem fala quanto para quem é interrompido. Por isso as reflexões desse texto: ao entendermos melhor as causas desse nosso comportamento e aplicarmos técnicas como as sugeridas para melhorar nossa comunicação, conseguimos criar interações mais respeitosas, fluídas e verdadeiramente produtivas.
Alguém uma vez comentou que “grandes conversas acontecem quando aprendemos a ouvir tanto quanto queremos ser ouvidos". E sabemos também que muitas ideias criam formas a partir da conexão dos nossos pensamentos com os dos outros. Então fica a pergunta: Como podemos ampliar a consciência sobre os nossos próprios impulsos, para abrirmos espaço para a escuta sem interrupções que no levará à geração de novas ideias, à conversas mais interessantes e a vínculos mais verdadeiros?
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